Estudo das Mediações

Neste texto, Barbero propõe uma modificação do entendimento da comunicação numa tentativa de sair de pontos de vista extremos, embasando-se em estudos feitos sobre a comunicação no América Latina. Como já antecipado pelo título, o autor tenta modificar o posicionamento pelo qual se tenta entender a comunicação, saindo de um estudo com base nos meios, a um embasado nas mediações, lugares onde os sentidos são produzidos.
Inicialmente, começa por discutir os dois pólos com que são normalmente entendidos os processos sociais. Um dos pólos, caracterizado pelo autor como um progressismo iluminista, vê nas práticas culturais e na natureza do povo reações às induções da classe dominante e um obstáculo ao desenvolvimento, enquanto o outro, caracterizado como nacionalista populista, que tenta um resgate das raízes. Esse último busca no índio uma essência cultural pura e definidor da identidade original, contaminado pela modernização e mestiçagem. Essa pureza buscada em um índio tido como fato natural do continente é a - histórico.
É apresentada uma diferenciação analítica da modificação que a produção indígena e seu sentido sofreram. Primeiro as modificações sofridas em razão de pressões vindas do ritmo de consumo capitalista, que acabam por transformar as produções artesanais e festas em fonte de renda para os indígenas e espetáculos para turistas. As mediações promovem mudanças no sentido do trabalho dentro da própria comunidade, desconectando suas atividades tradicionais do sentido em que originalmente foram estabelecidas.
Ao se tratar do popular, há uma tendência a se remeter ao rural, algo simples e elementar, que não seria capaz de alcançar a complexidade e artificialismo da criação cultural. Idéia refutada pelo autor que analisa a evolução do popular partindo do indígena, ao rural, ao popular e ao massivo. Para fins de exemplificação e esclarecimento, utiliza-se de um mapa de transformações sofridas pelo popular urbano no México que pode ser dividida em três etapas. A primeira, caracterizada por movimentos referentes ao tom revolucionário da época, torna socialmente aceitáveis gestos e costumes até então reprimidos, junta elementos tanto do rural como da cidade nas produções musicais e instaura novos espaços e dimensão popular. A segunda é caracterizada pela hegemonia da indústria cultural, êxodo rural e industrialização. O populismo trás um tom nacionalista, gerando uma simbolização mitificada da identidade nacional, reiterando os códigos dos costumes e massificando os comportamentos. O rádio e o cinema fazem papel de mediador entre o tradicional e o moderno. Por último, o nacionalismo é abandonado por uma visão transnacional, com tendência à homogeneização dos estilos de vida desejáveis, incentivo ao consumo e mitificação do progresso.
A partir da proposta de deslocamento do interesse para as mediações, Barbero inicia sua análise sobre os movimentos sociais provenientes do bairro. No bairro são iniciadas novas redes, formando culturas específicas dos setores populares, normalmente caráter mais reformista. Um importante configurador dessa cultura são os mediadores, que “operam nas instituições locais fazendo conexão entre as experiências dos setores populares e outras experiências do mundo intelectual” (Barbero, 2001, p.282) O bairro é concebido como local de referência e constituição de identidade e mediador entre o universo privado da casa e o público da cidade. É nele onde são estabelecidas relações sociais mais amplas que a familiar e mais densas que as formais impostas pela sociedade.
Barbero denuncia que várias características culturais da América Latina foram suprimidas a fim de se enquadrarem em teorias pré-formuladas. De acordo com o ideologismo, os meios massivos foram reduzidos a meros instrumentos e o dominador priorizado nas análises. A análise dos dominados e os possíveis conflitos foram subestimados a simples reflexos do poder dos meios, onde as necessidades e submissão dos consumidores poderiam ser determinadas por uma análise dos objetivos econômicos e ideológicos. Ao modelo semiótico faltou uma abrangência que conseguisse delimitar o campo, sendo que este se limitou à análise de mensagens e códigos.
Com o modelo informacional, as análises se fecharam mais nos métodos produzidos devido ao tom positivista do modelo, limitando as problematizações. Questões fundamentais como a do sentido e do poder, condições sociais de produção do sentido foram ignoradas, eliminando a análise das lutas pela hegemonia. Esses modelos ainda pressupõem uma linearidade do processo comunicativo e uma equivalência das posições de emissor e receptor, simplificação que não sustenta os muitos conflitos presentes no processo e limita o acesso a questões mais abrangentes que o modelo permite problematizar.
Para Barbero, essa concepção instrumental da comunicação transforma problemas sociais e em problemas técnicos, levando a uma máxima de o debate público ser prescindido por uma verdade científica ou solução técnica, gerando a dissolução da realidade política. Além das limitações dos modelos que trouxeram a mudança de paradigma, mas também processos sociais na América Latina que modificam e transformam o objeto estudado. Uma dessas mudanças foi o novo movimento de transnacionalidade, que tem na comunicação um de seus palcos principais. A inevitável homogeneização trazida pelo processo choca-se com a identidade e pluralidade nacional que constituem o país.
O que é proposto é uma tentativa de entender a comunicação a partir da cultura, das tantas discursividades em conflito que travam lutas pela hegemonia. Deixar de pensar o processo comunicativo a partir das disciplinas e dos meios. Os movimentos sociais sempre se encontram em embate com a institucionalidade a fim de configurar o plano simbólico nas matrizes culturais. A partir desse lugar de análise, a comunicação se mostra um processo produtor de significações e não somente uma circulação de informações, e o receptor adquire um novo e mais importante papel, passando de decodificador a também produtor.
O consumo, um dos maiores exemplos da resposta à força dos meios, é apontado também como produtor de sentidos. “Lugar de luta que não se restringe à posse dos objetos, pois passa ainda mais decisivamente pelos usos que lhes dão forma social e nos quais se inscrevem demandas e dispositivos de ação provenientes de diversas competências culturais.” (Barbero, 2001, p.302) Ao entendermos a leitura como atividade na qual os significados são organizados em um sentido, o leitor passa ater uma capacidade produtiva que desafia e idéia da verdade contida na mensagem, e apenas decodificada, promovendo uma negociação dos sentidos a partir do texto.
Como propõe como ponto de partida as mediações, são apresentados três lugares de mediação: a cotidianidade familiar, a temporalidade social e a competência cultural. O cotidiano familiar, que é o local primeiro de reconhecimento dos indivíduos, estabelece tipos de ralações próprias, alterando a forma de leitura nesse local. Devido às relações estreitas de proximidade existentes nesse espaço, a televisão simula o contato e a retórica do direto para se adequar à mediação da cotidianidade familiar. A simulação do contado utiliza de mecanismos como interlocutores que interpelam seus espectadores, enquanto a retórica do direto trás uma sensação de proximidade e imediatez, característicos do cotidiano. A temporalidade social diz respeito a locais de mediação mais abrangentes que o familiar. O cruzamento de gêneros e tempos configura uma sequência ou programação na televisão que atende a demandas imposta pelos horários e tipos de espectadores. A série e os gêneros fazem mediação entre o tempo do capital e o tempo da cotidianidade.
Ao discutir a competência cultural, o autor fala como na televisão o massivo se faz tão explícito, e os gêneros aparecem como unidades básicas, que são responsáveis pela mediação entre as lógicas de produção e as lógicas de reprodução, entre formatos e usos, que perpassam a comunicação, cultura e política.As lógicas das condições em que ocorre perpassam a própria produção, e deixam vestígios tanto no que é produzido quanto em como se dá o processo. Assim, o desenvolvimento tecnológico, os níveis e fases de decisão, as ideologias profissionais, as rotinas de produção e as estratégias de comercialização se apresentam como dispositivos de grande importância, inicialmente na produção, mas em todo processo comunicativo. Do mesmo modo se pode analisar as lógicas dos usos segundo hábitos de classe de acordo com a utilização no tempo e no espaço cotidianos, e que significados sociais cada segmento proporciona. A mediação entre essas duas lógicas, de produção e dos usos, é feita pelos gêneros. De acordo com as mediações, na televisão, um gênero se define por sua estrutura interna, seu lugar na programação e reconhecimento cultural dos grupos.
Voltando à dicotomia inicial – pureza original versus dominação social – Barbero afirma que só a partir dessas duas posições se pode continuar pensando o massivo como algo exterior ao popular. Para o autor, pensar o popular a partir do massivo confira um novo funcionamento da hegemonia. Desse modo, os sentidos intitucionalizados ou as lutas ocorrentes no mercado simbólico não são atribuídas somente à lógica dos interesses da classe dominante, mas também com a dos dominados. Por fim, o autor apresenta pesquisas feitas na América Latina que dão base a essas últimas afirmações. Começa por falar das feiras urbanas no México, que se transformaram em frentes culturais, onde há o encontro de classes sociais que, a partir de seus interesses, lutam para atribuir sentido ao próprio evento cultural. Outro exemplo é o das emissoras local, popular urbana e andina-provinciana, que guardadas suas especificidades, todas “trazem dimensões da vida cultural do país desconhecidas ou negadas nas emissoras de corte nacional”. Essa quebra da homogeneização e aparecimento da pluralidade cultural só é possível no campo televisivo no espaço reservado à comicidade, onde se é permitido a ridicularização das classes altas.

MARTIN-BARBERO, J. Capítulo 2 - Os métodos: dos meios às mediações. In: Dos meios às mediações  Comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2001

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