A Cultura de Massas em Tropa de Elite 2




Como em toda produção em massa, critérios de padronização são sempre necessários. Os produtos precisam trazer algo já familiarizado para que haja uma identificação com seus consumidores. Mas, mais que necessário, é exigido pelo mercado um grau de inovação nas produções. A dinâmica dessa dialética produtiva é dada de acordo com uma série de demandas de sua própria área e seus consumidores. No âmbito das mercadorias culturais essa dinâmica é acelerada, visto que esse tipo de produto é consumido rapidamente.
Depois do sucesso cinematográfico de Tropa de Elite, inclusive internacionalmente, surgiu uma grande expectativa por parte do público e promessas de inovação sobre Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora é Outro.  Essa dialética da produção em massa funciona, também e principalmente, nas relações de produção cinematográfica. Então, quais foram os artifícios utilizados nesse filme para alcançar uma síntese que co-responda às exigências de um mercado dinâmico e uma massa tão grande?
Principalmente sendo a continuação de um primeiro filme, Tropa de Elite 2 carrega o desafio de apresentar algo novo, e melhor, ao mesmo tempo que mantém relação com os padrões já estabelecidos pelo primeiro filme. Obviamente, essa situação é mais restritiva em filmes de continuação, mas está longe de ser exclusividade destes. Em toda indústria de bens culturais é procurada essa co-existência no momento da produção: a busca pelos padrões já estabelecidos e a base de um sucesso já conquistado, em equilíbrio com a inovação exigida e esperada pelo mercado. O risco de se tender para um desses extremos está sempre presente. No caso da produção Tropa de Elite 2, esse risco, por um lado poderia levar o filme a ser uma mera imitação, apostando não em um novo sucesso, mas no sucesso já conquistado. E por outro lado, o medo de se produzir uma “sombra” de algo já feito poderia levar o filme a outro extremo de inovação, onde ocorre o distanciamento de um padrão já conhecido pelo público, no caso, os estabelecidos em Tropa de Elite.
Tropa de Elite 2 se propôs, desde seu início, a ser uma continuação assumida não só do primeiro filme, mas de sua história, ou seja, narrando a vida das mesmas personagens. A reutilização destas no novo filme contribui, obviamente, para o resgate dos padrões anteriormente assumidos na história, mas, para acrescentar a lógica individualista necessária ao filme, as personagens foram colocadas em locais e tempos diferentes na trama. Mesmo a necessidade de personagens para papéis maiores no segundo filme, foi suprida com personagens de menores papéis de Tropa de Elite. O fato do filme se passar dez anos depois do primeiro, já propõe que os personagens não possuem a mesma estrutura do filme anterior. Isso possibilita a criação de novas características pessoais das personagens, justificadas pelo tempo decorrido. Ao mesmo tempo, que o público se depara com algo familiar, também vê algo completamente novo.
Ainda, em Tropa de Elite 2, as personagens assumem novos posicionamentos dentro da trama. Dito pelo próprio diretor, José Padilha, um dos aspectos centrais do filme é o reposicionamento do protagonista, Capitão Nascimento (Wagner Moura), que é levado a um cenário desconhecido por ele, e, logo, desconhecido pelo público. “Você vai ver o Capitão Nascimento entrando numa zona totalmente desconfortável para ele, uma situação que ele não sabe exatamente o que está acontecendo, e você vai ver, então, os valores dele serem questionados pelo resultado do que ele faz.” disse Padilha em entrevista. No primeiro filme, Mathias (André Ramiro), possui o arco dramático da trama, enquanto o protagonista se mantém constante, situação que é invertida em Tropa de Elite 2, onde o arco dramático passa para a personagem do Capitão Nascimento. Ainda se tratando de inovação, o tema central do filme também é ampliado, e põe em discussão assuntos que, mesmo envolvendo os abordados no filme anterior, são maiores e mais complexos.
Outro aspecto inerente da produção em massa é a busca pelo máximo consumo, tendendo ao público universal. Nessa procura criou-se o ideal de homem médio, um denominador comum no meio da grande heterogeneidade presente no público. A facilidade de se atribuir gostos e opiniões a esse, chamado homem médio, cria outro fenômeno, a tendência a homogeneizar e a buscar um denominador comum de conteúdos. Assim vemos que em filmes de um determinado gênero (ação, por exemplo), são introduzidos outros gêneros (romance). Através dessa mistura, as diferenças entre jovens e velhos, mulheres e homens, classes alta e baixa, etc. são atenuadas.
Tropa de Elite é um filme violento, com aspectos tipicamente masculinizados, e ainda sim se tornou sucesso em todos os segmentos sociais, de idade ou gênero. O que nos leva à análise de certas características dos dois filmes. No primeiro, Capitão Nascimento é apresentado como o mocinho, um clichê da dramaturgia, que, com seu batalhão, combate traficantes, os vilões. Porém, os atos do protagonista no filme são tão, ou mais violentos e abusivos que dos próprios traficantes. Como garantir que essa personagem, apesar de seus atos, seja a representação do bem e da justiça no filme?
A começar, ambos os filmes são narrados em off pelo próprio protagonista, o que leva a uma adesão do espectador a suas idéias e sentimentos. Outro privilégio do protagonista, é que além de seu trabalho, sua vida pessoal é mostrada. No meio de uma trama extremamente masculinizada, surgem conflitos internos da personagem: sair do BOPE para ficar com sua família, cuidar de seu filho e salvar seu casamento em crise. A presença de conflitos feminilizados, como esses, abrange parcelas do público que, apesar de não gostarem da violência, se interessam pelos conflitos internos da personagem, e acabam culpando os vilões por também esses conflitos. Motivados pela guerra travada, ou pelos conflitos pessoais, o público tende a culpar o “sistema”, antagonista do Capitão. Em Tropa de Elite 2, a ilusão de que esses conflitos haviam se resolvido no final do primeiro filme é desfeita. A luta do protagonista contra o “sistema” toma novas proporções e o conflito passa a ser proteger sua família e manter sua relação com seu filho depois do divórcio. Esse é o sincretismo a que tendem as produções em massa:

O cinema , por sua vez, conseguiu ultrapassar a alternativa que caracteriza a época do mundo, entre filmes com características femininas, ternas, lacrimosas, dolorosas, e filmes com características viris, violentas, agressivas: ele produz filmes sincretizados, nos quais o conteúdo sentimental se mistura com o conteúdo violento. Há portanto uma mixage de conteúdos de interesses femininos e masculinos. (MORIN, 1997:39,40)

Todo esse carisma do protagonista de Tropa de Elite está presente também no carisma do próprio ator Wagner Moura, o que caracteriza outro aspecto da produção de bens culturais: o uso de vedetes. Voltando ao dilema padronização/inovação, as vedetes são um artifício muito utilizado na indústria cinematográfica por se tratarem de superindividualidades.

A presença de uma vedete superindividualiza o filme [...] As vedetes são personagens estruturadas (padronizadas) e, individualizadas ao mesmo tempo, e, assim, seu hieratismo resolve, da melhor maneira, a contradição fundamental. (MORIN,1997:32)

Tropa de Elite 2: Agora o Inimigo é Outro já possui um grande público advindo do primeiro filme, porém Tropa de Elite pode ter contado muito com a participação de um ator já reconhecido nacionalmente para conquistar espectadores. Segundo Morin, normalmente a relação entre a vedete e o autor funciona como uma “dialética repulsiva”. A individualidade de um diminui a do outro. Apesar dessa ser uma situação muito ocorrente, a realidade de Tropa de Elite 2 pode ser uma das exceções.  O diretor José Padilha já conquistou reconhecimento nacional e alguma fama por filmes anteriores como Ônibus 174, e o primeiro filme de Tropa de Elite. Prova de que no caso de Tropa de Elite 2 tanto o talento de quem atua como quem produz é levado em conta pelo público, Wagner Moura, é também um dos coprodutores do filme.
Se por um lado é verdade que a produção cultural cria, em certa medida, o público de massa através de todos seus artifícios, é verdade também que não possui plena autonomia sobre ele. Ao contrário, e diferente das outras culturas, a cultura de massa não possui um caráter normativo, e depende diretamente do comércio e da indústria. Ela propõe modelos e padrões, mas não tem poder para impô-los, esses são estabelecidos através do diálogo entre a produção e o consumo. Esse diálogo estabelecido é desigual, sendo que a produção se expressa através da linguagem, enquanto o consumo limita-se a aceitar ou não o que lhe é proposto. Apesar da desigualdade, os temas e abordagens que surgem se estabelecem ou fracassam dependendo diretamente dessa nova dialética estabelecida. Nessa medida, as preferências e reações da massa influenciam e exigem da própria produção. Mais de 5 milhões de expectadores em duas semanas de exibição e a posição de filme mais assistido desde a retomada em 1991, é um resposta desse fenômeno de oferta e procura que chamamos de público ao que Tropa de Elite e Tropa de Elite 2 põe em discussão, tematizam e a forma como abordam.
A cultura de massa é uma dialética entre produção-consumo, conceitos bastante complexos, mais abstratos que concretos, que estabelecem um dialogo dinâmico entre si sobre a própria sociedade que fazem parte.


MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX: o espírito do tempo. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

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